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Jornalismo, freelancing, social media... e as estórias por detrás de tudo isto. Por Patrícia Raimundo

As dores de ser editado

Para um jornalista, a estória é como um filho. Alguns artigos têm longos períodos de gestação e por vezes o parto até é difícil. Seja como for, assim que termina um trabalho, começa uma intensa relação de propriedade entre o jornalista e o seu texto, pelo que quando o editor apresenta a mera possibilidade de mudar uma vírgula que seja isso pode ser uma verdadeira e dolorosa tragédia.

Nick Petrie, estagiário do Guardian, conta como se pode - e deve! - aprender a lidar com a edição, o que me fez voltar atrás no tempo, aos Ateliers de Jornalismo na Faculdade. O professor era o António Granado e ele fazia questão dar àquelas aulas um ambiente de redacção. Para isso, os alunos levavam as suas estórias e projectavam-nas na parede da sala para que todos fossem editores uns dos outros. As pen drives amontoavam-se na secretária do António, à espera de vez, os textos iam passando, faziam-se alterações e sugestões. Isto aqui assim (a expressão inesquecível!) não está muito bem, eu cortaria aqui assim, não sei bem o que é, mas não soa bem - e lá ia, à vezes, um parágrafo inteiro à viola, o autor contorcia-se na cadeira, punha uma expressão de dor, fechava os olhos, mas no geral todos acabávamos por confiar nas sugestões. É claro que às vezes também havia quem batesse o pé ou pedisse misericórdia para as palavras: "Essa frase não, por favor, por favor! Essa não! Não corte, por favor!"

Ainda hoje dou comigo a pensar que nunca terei uma experiência de edição tão agradável como a que acontecia todas as semanas naquela sala.

A verdade é que ser editado não é pêra doce e, no início, lidar com a edição pode ser um problema bicudo de resolver. Entrar numa redacção implica, entre outras coisas, que o jornalista se adapte ao estilo específico da publicação, o que pode demorar ainda mais tempo se não aceitarmos de bom grado as críticas do editor.

E não se pense que o freelancer está livre dos terrores da edição. A ideia de que há mais liberdade criativa no freelancing não é completamente verdadeira, tudo depende do meio para onde se trabalha. Eu tenho as duas experiências: escrevo para publicações cujos editores raramente alteram seja o que for e que me põem à vontade para exercer a minha própria maneira de escrever; mas também trabalho para outras cujo estilo é muitíssimo rigoroso e fechado. E sim, é duro quando te devolvem o artigo cheio de marcas a vermelho, alterações em praticamente todas as frases e notas de rodapé por tudo quanto é página. Quando isto aconteceu pela primeira vez, fiquei em choque: pus em causa a minha capacidade de escrever para aquele meio tão específico, fiquei desanimada, sem saber por que ponta começar, com vontade de pôr o original no lixo e fazer tudo de novo. Falei com o editor e então percebi que era "normal". Um novo freelancer leva sempre algum tempo até acertar com o tom da revista e a ajustar o seu estilo. Descansei um pouco e não desisti do trabalho, mas de cada vez que os meus artigos regressavam do editor à minha caixa de e-mail, inquietava-me. Desilusão: lá vinha mais um com correcções e notas. Com o tempo, a mancha a vermelho foi ficando cada vez menor, é certo, mas ainda assim eram manchas a vermelho.

Hoje já lido melhor com a edição - a experiência cura quase tudo! - no entanto o sentimento não muda e ainda não consigo evitar certos pensamentos. O meu título era melhor... Humm, aquela vírgula não estava aqui... A frase que cortaram fazia TODA a diferença... Era DISCO, não CD... E o remate final: Mas pronto!

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